[Entrevista publicada na edição 60, da revista LER&CIA, publicação do Grupo Livrarias Curitiba. Escrita pela jornalista Roberta Braga] Gabriela Kapim fala sobre alimentação infantil.
Gabriela Kapim é referência quando o assunto é alimentação infantil. Nutricionista, é apresentadora do programa Socorro! Meu filho come mal, exibido pela GNT, e autora do livro homônimo lançado recentemente.
No programa e no livro, Gabriela mostra a história de crianças que não comem frutas e legumes, que só querem saber de batata frita e sorvete ou que só gostam de comer se for em frente à televisão. Sua missão é ajudar os pequenos – e suas famílias – a entenderem a importância que a alimentação tem para a saúde e desenvolvimento e, assim, tentar fazer com que mudem os hábitos.
Foi quando assumiu a cantina e o cardápio de uma escola, logo que se formou, que Gabriela começou a entender essa difícil equação: crianças x boa alimentação. Montou cardápios equilibrados, mas as crianças rejeitavam. Resolveu, então, implementar uma aula de culinária e percebeu que quando as crianças se envolviam e entendiam mais sobre os alimentos, comiam melhor. Desde então, vem ajudando dezenas de famílias a enfrentarem um inimigo comum: hábitos alimentares totalmente errados.
Em entrevista exclusiva à LER&CIA Gabriela Kapim fala sobre alimentação infantil, o que é a alimentação saudável, por que muitos pais ainda não se conscientizaram da importância dos alimentos para o futuro dos filhos, além de abordar alguns mitos que envolvem o tema.
LER&CIA – Hoje se fala muito em alimentação saudável. Acha que os pais sabem o que faz bem e o que deve ser evitado?
GABRIELA KAPIM – Eu acho que hoje em dia temos muita informação e também muitos dados conflitantes. O ovo às vezes é péssimo e, daqui a pouco, o ovo é ótimo. Por isso, os pais ficam confusos. Mas mesmo o “basicão” tem muitos pais que não entendem. Eu ainda encontro pais muito surpresos com conceitos e valores que para mim já são estabelecidos, e me surpreendo de eles não se darem conta.
Em geral, as crianças de hoje comem melhor ou pior do que há 10, 20 anos?
Muito pior. Por vários motivos. Um deles é por essa correria louca que vivemos, em que tudo tem que ser muito rápido e muito prático e ninguém mais quer perder tempo na cozinha. Hoje em dia, encontramos comida pronta em qualquer esquina. Ninguém mais senta à mesa, com a família, para fazer as refeições – acho que esse é um costume perdido na sociedade.
E também temos atualmente uma indústria alimentícia muito forte, com uma grande variedade de produtos que há 10, 20 anos não tínhamos. Aliás, acho que o vilão maior da alimentação de hoje são os produtos industrializados, porque eles vêm com muito açúcar, corante, conservante e sódio, que prejudicam muito a qualidade dos alimentos.
Acha que aos poucos as pessoas estão começando a ter essa consciência de que o alimento industrializado faz mal?
Acho que sim. Inclusive as indústrias estão começando a perceber que não terão muito mais crescimento a partir de agora. Eu já vejo algumas empresas realmente preocupadas com a qualidade dos alimentos e procurando se adaptar a esse novo mercado, mais atento, mais crítico e que está começando a abrir o olho para essas questões. Mas é um trabalho de médio e longo prazo.
As nossas crianças comem melhor do que em outros países?
Eu acho que pela diversidade que temos de alimentos no Brasil, as crianças daqui comem muito mal. Mas na comparação com outros países, depende. Se formos comparar com os norte-americanos, acho que comemos melhor. A nossa refeição básica é o arroz e o feijão, e a deles é hambúrguer e batata frita. Mas, se formos comparar com crianças europeias, as nossas comem pior, eles já ingerem muito mais vegetais e grãos. Então, apesar de termos essa oferta abundante e essa variedade enorme de alimentos, ainda nos alimentamos mal.
Qual o grande problema da alimentação infantil?
Acho que hoje em dia são duas coisas. Uma delas é esse boom dos alimentos industrializados e a mídia. Não vemos propaganda de brócolis, de maçã, de cenoura, não existe nenhum personagem de desenho animado, que é o que chama a atenção das crianças, fazendo propaganda de alimentos saudáveis. Mas vemos vários fazendo comercial de biscoito, salgadinho e refrigerante.
E tem também a questão da educação. Por exemplo, meus filhos assistem televisão, então também estão influenciados pela mídia, mas a influência maior é a minha, o que eu ensino, então eles não se interessam por salgadinhos ou refrigerantes. Acho que os pais estão ausentes, trabalhando muito fora e quando chegam em casa não querem ter trabalho, não querem ter conflito com os filhos. O que vejo é essa falta de educação alimentar mesmo, falta de comprometimento com a alimentação saudável, seja por não achar que é tão importante ou porque ensinar isso dá muito trabalho.
Por que os pais devem ensinar sobre a importância da alimentação aos seus filhos? Como isso poderá afetar a vida dessas crianças?
Existem diversos estudos falando sobre a importância da alimentação na gestação, na formação do feto, na primeira infância, no crescimento e desenvolvimento das crianças. Eles mostram o quanto esses alimentos no início da vida irão refletir lá na frente. Hoje atendo crianças com doenças que eram de adultos e idosos, como colesterol e triglicerídeos altos, hipertensão e diabetes adquirida por excesso de açúcar. Isso não é tão divulgado e os pais não se dão conta dos riscos.
O que acontece é que a má alimentação não traz uma consequência imediata. Se meu filho atravessa a rua sem me dar a mão, ele corre um risco imediato de morrer. Se ele come mal todos os dias, ele também corre o risco de morrer, mas não é imediato. Então, é preciso que os pais tenham esse entendimento que a alimentação é extremamente importante para a formação, para o desenvolvimento e para a saúde.
Eu falo muito isso: educar seus filhos para comer bem é tão importante quanto dar remédio quando estão doentes. Tem que comer bem, não tem opção, tem que comer verdinho e colorido, tem que experimentar, é assim que eles vão ser saudáveis. Só que os pais não se dão conta de todo o valor que a alimentação tem; só percebem quando a criança está doente e está acima do peso, então eles vão para o consultório desesperados.
O que uma alimentação saudável e equilibrada para as crianças deve incluir?
Basicamente, no almoço e jantar, o prato deve ter alimentos de cinco cores, sendo o arroz e o feijão, que é o básico do brasileiro, uma proteína e outros dois vegetais. Isso garante uma cota de quatro vegetais por dia, que é o indicado pela Organização Mundial de Saúde. E também é preciso ingerir as três cotas de frutas por dia. Se a criança come variado, frutas, verduras, legumes, grãos, cereais e leguminosas com frequência, então a boa alimentação está garantida. É comida colorida e variada.
Você costuma falar que a alimentação saudável precisa ser seguida por toda a família, para as crianças verem o exemplo dos pais. Como conscientizar os pais disso e fazer com que mudem seus hábitos?
As crianças aprendem muito mais com a observação do que com o que a gente fala. Ter o pai e a mãe falando que tem que comer salada, que tem que experimentar, não vai fazer sentido para a criança se elas não identificam essas atitudes no adulto. Então, elas não levam a sério, não consideram aquilo como verdade e não fazem. Na maioria dos casos, os pais não comem bem e acham que a criança tem que comer certo porque é criança.
Muitos pais usam a alimentação como moeda de troca. Ex. se você comer tudo, ganha uma bala. Como isso pode ser prejudicial?
As crianças irão fazer uma relação de perda e ganho com o alimento. Isso pode desenvolver os dois extremos ruins: a anorexia, porque a criança não cede à negociação, ou a obesidade, porque ela vai acabar comendo para ganhar alguma coisa. Então, ela come porque quer o tablet, o telefone, quer ver televisão etc.
O que acontece é que não estamos negociando a alimentação com o valor que ela tem, e sim com outros valores que a gente julga que são melhores. Se falamos que a criança só vai passear no shopping se comer tudo, o passear no shopping está sendo mais importante do que comer tudo, e não é. Assim, essas negociações geram consequências ruins, além de desvalorizar cada vez mais o próprio alimento.
Muitas crianças rejeitam vegetais. Em sua opinião, por que isso acontece? E como fazer com que experimentem novos sabores?
Acho que tem um lugar, quase no subconsciente do adulto, que acha que criança não come verdura, que não gosta, que existe comida que é para a criança e comida que é para adulto. Isso é um mito. O que existe é comida que não é para bebê, mas depois de um ano de vida nosso aparelho digestivo está adaptado para comer qualquer coisa que se considere minimamente saudável.
Esse é um conceito que sem querer acabamos passando para a criança, eles percebem essa fragilidade e rejeitam o alimento. Então, como achamos que eles não iam querer mesmo, acabamos aceitando mais rápido que não comam a verdura. Mas se você oferece o alimento achando que a criança vai gostar, elas experimentam com mais desprendimento.
E existe algum alimento que é proibido para crianças?
Refrigerantes, salgadinhos, biscoitos recheados e industrializados, esses são a lista dos meus proibidos. Tem também o diet e o light, que não são indicados para crianças, a não ser em casos de orientação médica ou nutricional. Alimentos integrais e temperos estão liberados.
Com que frequência os pais podem dar frituras e doces?
O ideal é que não se ofereça nunca esses alimentos porque a criança vai pedir e só então os pais devem negociar. Uma orientação que sempre dou aos meus pacientes é de não fazer fritura em casa, nunca. No dia que a família for ao restaurante e a criança quiser comer uma batata frita, ok. Então, com esses alimentos a indicação é quanto menos, melhor.
Eu sou Melina, mas pode me chamar de Mel. Amo escrever, amo meu marido, amo minhas três filhas e, acima de tudo, amo Jesus. Moramos na Pensilvânia, nos EUA, e, sempre que consigo, gosto de falar sobre minhas experiências, aprendizados e desafios seja na maternidade, na vida cristã ou como imigrante.
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